domingo, 9 de março de 2008

INTRODUÇÃO


O modelo de assistência à saúde, o acesso ao serviço e à resolutividade, associados ao trabalho de equipe que estimule o autocuidado e o repensar sobre o estilo de vida dos indivíduos e suas famílias, contribuem para que as pessoas se sintam co-responsáveis pela busca ativa da solução para os seus problemas e, tanto quanto possível, consigam compartilhar suas experiências e decisões nas associações e grupos comunitários dos quais fazem parte.
O Programa de Saúde da Família (PSF) desponta como uma das estratégias mais recentes assumidas pelo Ministério da Saúde: a de reorganização da atenção básica à saúde. Publicado em 1994(1), refere que a implantação do PSF tem, como objetivo geral, "melhorar o estado de saúde da população, mediante a construção de um modelo assistencial de atenção baseado na promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde, em conformidade com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) e dirigidos aos indivíduos, à família e à comunidade".
O Ministério da Saúde propõe a estruturação de equipes multiprofissionais, às quais se adscrevem um dado número de usuários. Cada uma dessas equipes deve se responsabilizar por um conjunto de problemas muito bem delimitados, com planejamento e execução de ações capazes de resolvê-los, o que ocorreria por meio de "vinculação de cada equipe a um certo número de usuários previamente inscritos(2). Portanto, esse novo modelo de assistência supõe que deva haver envolvimento dos trabalhadores das equipes com a população de seu território de abrangência.
No trabalho junto à comunidade, faz-se necessário que a equipe tenha maturidade e que haja desenvolvimento pessoal e profissional, com enfrentamento de diversas realidades, para que ocorram a promoção e a reabilitação da saúde dessas famílias.
O conhecimento dos aspectos teóricos e práticos de Unidades de Saúde da Família tem nos levado a refletir sobre possíveis situações enfrentadas pelas equipes e pela população, frente a essa nova forma de assistência. Observamos que algumas situações na relação trabalhador-usuário demandam um certo gasto de energia e adaptação, como o contato direto com a realidade e/ou sofrimento do próximo, elementos próprios do tipo de trabalho, como uma certa identificação e os laços afetivos que, muitas vezes, se estabelecem entre o profissional e o usuário. Essas situações, somadas às características individuais de cada trabalhador, podem desencadear o processo de estresse.
Nossa experiência de trabalho, acompanhando a estruturação de equipes multiprofissionais para unidades de saúde da família, em alguns municípios, permitiu-nos a observação de sinais de irritabilidade e queixas de insatisfação dos membros das equipes, em algumas unidades, o que nos levou a supor a presença de estresse nesses trabalhadores.
Com tais inquietações, planejamos o presente estudo que pretende responder se o estresse está presente nesse grupo de trabalhadores. Acreditamos que conhecer o que se passa com essa população pode contribuir, em parte, para lutar por melhorias na qualidade de vida desses profissionais.


REFERENCIAL TEÓRICO

Conceituando estresse
Atualmente, a palavra estresse tem sido muito empregada, associada a sensações de desconforto, sendo cada vez maior o número de indivíduos que se definem como estressados(3).
As primeiras referências à palavra "stress", com significado de "aflição" e "adversidade", datam do século XIV(4). No século XVII, o vocábulo de origem latina passou a ser utilizado em inglês para designar "opressão", "desconforto" e "adversidade"(5).
Hans Selye, médico endocrinologista, foi o primeiro cientista a utilizar o termo "stress" na área da saúde. Ele observou que muitas pessoas sofriam de doenças físicas e reclamavam de sintomas comuns. Tais observações o levaram a investigações científicas em laboratórios, com animais, e, em 1936, a definir "stress" como "o resultado inespecífico de qualquer demanda sobre o corpo, seja de efeito mental ou somático, e "estressor", como todo agente ou demanda que evoca reação de estresse, seja de natureza física, mental ou emocional". Em seus estudos, Selye observou que o estresse produzia reações de defesa e adaptação frente ao agente estressor. A partir dessas observações, ele descreveu a Síndrome Geral de Adaptação (SAG), que pode ser entendida como "o conjunto de todas as reações gerais do organismo que acompanham a exposição prolongada do estressor". Tal síndrome apresenta três fases ou estágios(6):
1ª- FASE DE ALARME: O organismo tem uma excitação de agressão ou de fuga ao estressor, que pode ser entendida como um comportamento de adaptação. Nos dois casos, reconhece-se uma situação de reação saudável ao estresse, porquanto possibilita o retorno à situação de equilíbrio após a experiência estressante. Essa fase é caracterizada por alguns sintomas: taquicardia, tensão crônica, dor de cabeça, sensação de esgotamento, hipocloremia, pressão no peito, extremidades frias, dentre outros.
2ª- FASE DE RESISTÊNCIA: Havendo persistência da fase de alerta, o organismo altera seus parâmetros de normalidade e concentra a reação interna em um determinado órgão-alvo, desencadeando a Síndrome de Adaptação Local (SAL). Nessa fase, ocorre a manifestação de sintomas da esfera psicossocial, como ansiedade, medo, isolamento social, roer unhas, oscilação do apetite, impotência sexual e outros.
3ª- FASE DE EXAUSTÃO: O organismo encontra-se extenuado pelo excesso de atividades e pelo alto consumo de energia. Ocorre, então, a falência do órgão mobilizado na SAL, o que se manifesta sob a forma de doenças orgânicas.
Embora Selye tenha identificado três fases do estresse, Lipp, no decorrer de seus estudos, identificou uma outra fase do processo de estresse, tanto clínica como estatisticamente(7). A essa nova fase foi dado o nome de quase-exaustão, por se encontrar entre a fase de resistência e a de exaustão. Essa fase recém-identificada caracteriza-se por um enfraquecimento da pessoa que não está conseguindo adaptar-se ou resistir ao estressor. As doenças começam a surgir, porém ainda não são tão graves como na fase de exaustão.
Em suas pesquisas, Lipp relata as possíveis reações físicas e emocionais frente ao estresse. Os sinais e sintomas que ocorrem com maior freqüência de nível físico são: aumento da sudorese, tensão muscular, taquicardia, hipertensão, aperto da mandíbula, ranger de dentes, hiperatividade, náuseas, mãos e pés frios. Em termos psicológicos, vários sintomas podem ocorrer como: ansiedade, tensão, angústia, insônia, alienação, dificuldades interpessoais, dúvidas quanto a si próprio, preocupação excessiva, inabilidade de concentrar-se em outros assuntos que não o relacionado ao estressor, dificuldade de relaxar, ira e hipersensibilidade emotiva(8).
O estresse, quando presente no indivíduo, pode desencadear uma série de doenças. Se nada é feito para aliviar a tensão, a pessoa cada vez mais se sentirá exaurida, sem energia e depressiva. Na área física, muitos tipos de doenças podem ocorrer, dependendo da herança genética da pessoa. Uns adquirem úlceras, outros desenvolvem hipertensão, outros ainda têm crise de pânico, de herpes e outras doenças. A partir daí, sem tratamento especializado e de acordo com as características pessoais, existe o risco de ocorrerem problemas graves, como enfarte, acidente vascular encefálico, dentre outros. Não é o estresse que causa essas doenças, mas ele propicia o desencadeamento de doenças para as quais a pessoa já tinha predisposição ou, ao reduzir a defesa imunológica, ele abre espaço para que doenças oportunistas apareçam(4).
Tem-se tornado familiar o relato da presença de estresse por profissionais da área da saúde, como enfermeiros, médicos, psicólogos e outros. O estresse apresentado por esses profissionais deve vir acompanhado por esforços de enfrentamento para gerenciar as conseqüências das fontes de estresse e retornar o indivíduo a um nível estável de funcionamento homeostático.
Modelo de assistência de saúde da família
Em 1994, o Ministério da Saúde colocou, em seu plano de ações e metas prioritárias, as estratégias de Saúde da Família e Agentes Comunitários para o processo de reorganização da atenção básica à saúde(1). O modelo em questão apresenta uma característica de atuação inter e multidisciplinar, bem como a responsabilidade integral sobre a população que reside na área de abrangência de suas Unidades de Saúde da Família.
A atenção está centrada na família, entendida e percebida a partir do seu ambiente físico e social, o que vem possibilitando às equipes multiprofissionais uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e da necessidade de intervenção que vai além de práticas curativas(9).
A Unidade de Saúde da Família consiste em uma unidade ambulatorial pública de saúde, destinada a realizar assistência contínua às especialidades básicas, por meio de uma equipe multiprofissional. É sua tarefa desenvolver ações de promoção, prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação, características do nível primário de atenção, tendo como campos de intervenção o indivíduo, a família, o ambulatório, a comunidade e o meio ambiente.
Ao considerarmos a complexidade do processo saúde/doença e a saúde, de uma forma ampliada e integral, verificamos a necessidade e a importância de um trabalhador com perfil que responda às necessidades identificadas na população. A aproximação com a comunidade requer o mínimo de tempo da equipe, conhecimento da saúde da família e habilidades clínicas. O aumento do contato face a face com o cliente amplia a necessidade para habilidades terapêuticas ou de bem-estar(10).
O Ministério da Saúde preconiza que cada equipe deve ser composta minimamente pelos seguintes profissionais: médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (na proporção de um agente para, no máximo, 150 famílias ou 750 pessoas).
Preferencialmente, o médico da equipe deve ser um generalista, e deverá comprometer-se com a pessoa, inserida em seu contexto biopsicossocial. Suas atribuições básicas são: prestar assistência integral aos indivíduos sob sua responsabilidade; valorizar a relação médico-paciente e médico-família, como parte de um processo terapêutico e de confiança; executar ações básicas de vigilância epidemiológica e sanitária, em sua área de abrangência; executar as ações de assistência nas áreas de atenção à criança, ao adolescente, à mulher, ao trabalhador, ao adulto e ao idoso, realizando, também, atendimentos de primeiro cuidado nas urgências e pequenas cirurgias ambulatoriais, entre outras atividades(1).
O enfermeiro desenvolve seu trabalho em dois campos: na unidade de saúde, junto à equipe de profissionais, e na comunidade, apoiando e supervisionando o trabalho dos agentes comunitários de saúde, bem como assistindo as pessoas que necessitam de atenção de enfermagem. Quanto às suas atribuições básicas, o enfermeiro deve: executar, no nível de sua competência, ações de assistência básica de vigilância epidemiológica e sanitária nas áreas de atenção à criança, à mulher, ao adolescente, ao adulto e ao idoso; desenvolver ações para capacitação dos agentes comunitários de saúde e auxiliares de enfermagem, com vistas ao desempenho de suas funções junto ao serviço de saúde e outras. O enfermeiro, como supervisor e orientador de alguns membros dessa equipe, precisa estar bem informado sobre o que está acontecendo no ambiente de trabalho, com relação aos pensamentos e sentimentos dos trabalhadores, pois as suas decisões podem se tornar inúteis, caso ele não esteja consciente de todos os fatores que precisam ser levados em consideração. A responsabilidade que envolve esse profissional com toda a equipe, se não for trabalhada internamente por ele, pode ser um caminho para o desequilíbrio de seu organismo.
As ações do auxiliar de enfermagem são desenvolvidas nos espaços da unidade de saúde e no domicílio/comunidade. É seu dever promover, com os agentes comunitários de saúde, as atividades de identificação das famílias de risco; contribuir, quando solicitado, com os agentes comunitários nas visitas domiciliares e acompanhar as consultas de enfermagem dos indivíduos expostos às situações de risco(1).
Os agentes comunitários de saúde desenvolverão suas ações nos domicílios de sua área de abrangência e junto à unidade, para programação e supervisão de suas atividades. Algumas de suas atribuições são: cadastramento das famílias por meio de visitas domiciliares, mapeamento, identificação de microáreas de risco, acompanhamento mensal de todas as famílias sob sua responsabilidade, orientação às famílias para a utilização adequada dos serviços de saúde. Esses profissionais são o primeiro contato entre a unidade e a população de seu território de abrangência. Ao exercerem a função de ligação entre a equipe e a comunidade, um maior cuidado é necessário para que possa discernir quais informações devem ser compartilhadas com o restante da equipe e se elas são relevantes para gerar benefícios à comunidade.
Portanto, para assistir a população, é preciso estruturar as equipes de saúde com perfis profissionais necessários para enfrentar o dinamismo dos problemas da realidade sanitária.
Se, durante suas atividades, uma equipe se confronta com situações que, de algum modo, a irritem, excitem ou confundam, ela apresentará alterações psicofisiológicas as quais promoverão uma reação do organismo com componentes físicos e/ou psicológicos. Essa reação é a que já denominamos anteriormente como estresse(4).
São essas as razões pelas quais investigar a presença de estresse nos trabalhadores de saúde da família tornou-se nossa inquietação prioritária. Para o presente estudo, traçamos os seguintes objetivos: verificar a presença de estresse nos trabalhadores das equipes de cinco núcleos de Saúde da Família, segundo a sintomatologia apresentada; avaliar a fase de estresse em que se encontram os trabalhadores de cada equipe de Saúde da Família; verificar a ocorrência dos sintomas de estresse na população estudada e verificar a predominância do tipo de sintoma, se físico ou psicológico, nos trabalhadores com estresse.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

A população estudada tem entre 19 e 59 anos, sendo que a maior concentração de trabalhadores está na faixa situada entre 19 e 29 anos (40,5%). É, portanto, um grupo relativamente jovem. Há predominância significativa do sexo feminino (89%) sobre o masculino (11%). Em relação à escolaridade, a maioria concluiu o 2º grau (43%), seguida daqueles com 3º grau completo (32%).
Os agentes comunitários de saúde constituem a maior parcela (54%) da população, seguidos pelos auxiliares de enfermagem (19%), e os médicos e enfermeiros têm a menor parcela (13,5%).
Após a aplicação do nosso instrumento de pesquisa, verificamos que 23 trabalhadores (62%) encontravam-se em situação de estresse: 19, na fase de resistência, e 4, na fase de quase-exaustão, e nenhum trabalhador foi encontrado na fase de alerta ou exaustão, de acordo com os sintomas apresentados. Portanto, 83% dos trabalhadores estressados possuem predominância de sintomas físicos e/ou psicológicos da fase de resistência, e 17%, da fase de quase-exaustão.
Pesquisadores utilizaram o mesmo instrumento de nossa pesquisa, para avaliação do estresse em profissionais da área da saúde, e verificaram que 47% da população estudada apresentava estresse e, destes, 45% se encontravam na fase de resistência(15).
A presença do estresse e a incapacidade para enfrentá-lo podem resultar tanto em enfermidades físicas e mentais, como em manifestações menores, tais como insatisfação e desmotivação no trabalho.
Em um estudo realizado com equipes de saúde, os autores investigaram se o cuidado prestado à comunidade é tolerável, examinando o estresse e a exaustão física e mental que afetam a saúde mental da equipe que presta assistência. Os resultados indicaram que a equipe experimentou altos níveis de estresse e exaustão física e mental como conseqüência de estressores no trabalho(10).
Considerando-se a importância da satisfação no trabalho para a auto-estima de uma pessoa, um indivíduo com estresse ocupacional poderá levar problemas para o seu ambiente familiar e vice-versa, sentindo-se, por exemplo, inseguro quanto à sua contribuição para a manutenção da família. Estudos(16) mostram que "a irritabilidade causada pelo estresse ocupacional provavelmente se estenderá à família, gerando relações tensas e conflituosas. Conseqüentemente, as áreas afetiva e social, bem como a relacionada à saúde, debilitam-se como que contaminadas pelo estresse no trabalho, alterando, assim, sua qualidade de vida".
Constatamos que as equipes do programa em estudo são multiprofissionais e, cotejando o estresse por categoria profissional, observamos que 1 médico, 4 enfermeiros, 4 auxiliares de enfermagem e 14 agentes comunitários de saúde estavam com estresse. Para os agentes comunitários, por exemplo, 4 pessoas estavam na fase de quase-exaustão, os demais encontravam-se na fase de resistência.
No contexto organizacional, a presença de trabalhadores estressados na equipe pode provocar o desenvolvimento das atividades com ineficiência, comunicação deficitária, desorganização do trabalho, insatisfação, diminuição da produtividade, o que trará conseqüências ao cuidado prestado às famílias.
Os resultados desta pesquisa apontam duas categorias profissionais em situação de risco: enfermeiros e agentes comunitários.
De acordo com as atribuições designadas pelo Ministério da Saúde aos enfermeiros, exigindo-lhes atividades de apoio, supervisão do trabalho dos agentes comunitários, bem como assistência às pessoas que necessitam de atenção de enfermagem, supõe-se que esse profissional deva estar sempre atento aos trabalhos realizados pelos demais membros da equipe, para que as suas decisões sejam precisas.
A ação gerencial do enfermeiro deverá ser fundamentada nos valores da profissão, no seu Código de Ética e nos direitos do usuário(17). O enfermeiro, na sua função, deve buscar o equilíbrio da equipe, e isso, muitas vezes, pode se tornar desgastante, podendo vir a ser um dos fatores desencadeantes de sintomas de estresse.
Os agentes comunitários, por sua vez, são o elo entre a unidade e a população do seu território de abrangência. Possuem uma situação singular na equipe, uma vez que, obrigatoriamente, devem residir na sua área de atuação, o que faz com que eles vivam o cotidiano da comunidade com maior intensidade que os outros membros da equipe.
Por essa aproximação da comunidade a qual assistem, os agentes comunitários de saúde, se não apresentarem uma formação adequada e um preparo específico para enfrentar, no seu cotidiano, os problemas que podem surgir nas relações que se estabelecem, tornam-se mais vulneráveis ao aparecimento de sintomas de estresse do que os outros membros da equipe, como efetivamente se demonstrou em nosso estudo.
O estresse se manifesta por sintomas físicos ou psicológicos. Mas ambos podem concorrer, dependendo da situação da pessoa. A avaliação realizada revelou a presença de sintomas físicos e psicológicos da fase de alerta. Os sintomas físicos mais incidentes dessa fase foram: tensão muscular (61%), seguida de insônia (48%). O sintoma psicológico mais encontrado nessa fase foi a vontade súbita de iniciar novos projetos (52%). Esse achado demonstra que os trabalhadores não estão realizando suas necessidades pessoais e/ou profissionais e que, diante de situações estressantes, a reação orgânica será sempre a de colocar em funcionamento todo um sistema que permita preservar a autonomia do indivíduo, preparando-o para a luta ou para a fuga.
Na vivência dos trabalhadores, a inadaptação entre as aptidões, necessidades psicológicas e o conteúdo da tarefa traduzem-se por insatisfação ou por sofrimento, ou até mesmo por um estado de ansiedade raramente traduzido em palavras e explicitado pelo próprio trabalhador(18).
O sintoma físico mais apontado pelos sujeitos desta equipe, relativos à fase de resistência do processo de estresse, foi a sensação de desgaste físico constante, estando presente em 83% dos sujeitos com estresse e 36% dos indivíduos sem estresse. Esse sintoma é uma das características da síndrome da fadiga, que segundo estudiosos(19), é definida como um "desgaste de energia física ou mental, que pode ser recuperada por meio do repouso, alimentação ou orientação clínica específica". A fadiga poderá ter repercussões sobre vários sistemas do organismo, provocando múltiplas alterações de funções, que conduzem a uma diminuição da performance no trabalho em graus variáveis, ao absenteísmo e a uma série de distúrbios psicológicos, familiares e sociais. O sintoma psicológico mais presente, relativo à fase de resistência, foi pensar/falar constantemente em um só assunto, encontrado em 70% dos sujeitos com estresse.
As condições de saúde da nossa população, associadas ao contato permanente com estressores oriundos do ambiente de trabalho e da comunidade, podem levá-la a uma depressão do sistema imunológico, tornando-a vulnerável a doenças oportunistas.
Se a resistência da pessoa não for suficiente para lidar com a fonte de estresse, o processo de estresse evoluirá, e a fase de exaustão ocorrerá. Na fase de exaustão, o sintoma físico mais citado foi a insônia, referida por 52% dos trabalhadores estressados. Os sintomas psicológicos mais evidenciados foram: angústia/ansiedade diária e vontade de fugir de tudo (65%).
Os resultados encontrados mostram que, dos 23 sujeitos em situação de estresse, em 11 (48%) predominam os sintomas psicológicos, em 9 (39%), os sintomas físicos, e em 3, (13%) a igualdade de sintomas. Portanto, a área psicológica é a mais vulnerável.
Vale ressaltar que estímulos estressores podem ser potentes o suficiente para desencadear o estresse na grande maioria das pessoas, contudo devem-se considerar as diferentes respostas do indivíduo ou grupo frente a situações que, muitas vezes, apresentam-se como semelhantes.
Quanto maior for a incerteza frente à ocorrência de um determinado evento significativo, maior será a capacidade de gerar o sentimento de ameaça, constituindo-se em um dos fatores mais potentes para impedir a adaptação adequada e conduzir à imobilidade(19). Trabalhadores da área da saúde e, principalmente, aqueles que atuam na comunidade podem enfrentar, com maior dificuldade, a adaptação desejada, uma vez que não apenas se expõem continuamente a problemas de naturezas diversas, como são freqüentemente surpreendidos por eles.
Pesquisadores reportaram, em um estudo prévio, a existência de maiores níveis de estresse em trabalhadores que prestam assistência à comunidade do que naqueles que trabalham em hospitais(20).
Pessoas propensas a reagirem de forma mais intensa aos estímulos estressores no ambiente de trabalho devem receber especial atenção, por meio de programas sistemáticos de educação sobre os perigos, sobretudo sobre os riscos a que estão expostas em função de suas atividades e do desenvolvimento de programas para detecção de estresse.


CONCLUSÕES

Na população deste estudo, composta por 37 trabalhadores das equipes de cinco núcleos de Saúde da Família, 23 (62%) sujeitos apresentavam estresse, sendo que 19 sujeitos estavam na fase de resistência, e 4, na fase de quase-exaustão. A predominância dos sintomas de estresse ocorre na área psicológica (48%), seguida da área física (39%). Apenas 13% dos trabalhadores apresentaram igualdade quanto às áreas de distribuição dos sintomas.
A incidência de sintomas na área psicológica sugere que as fases de estresse apresentadas pelos participantes podem estar relacionadas à percepção da sua situação, considerando-se que o trabalho direto com a comunidade é um estressor de grande magnitude, pelos problemas e situações de risco que podem encontrar.
Os argumentos até aqui expostos evidenciam que o suporte para os trabalhadores da população estudada constitui uma alternativa relevante para gerenciar o estresse presente, assim como trazer benefícios tanto para as equipes quanto para a comunidade assistida.

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